Nós, lutadores e lutadoras que sempre fomos e somos das liberdades democráticas, dirigentes, integrantes e apoiadores(as) de comissões, comitês, coletivos e fóruns da Memória, Verdade, Justiça e Reparação; ex-presos políticos e familiares dos mortos e desaparecidos da ditadura civil militar, manifestamos o nosso mais veemente repúdio à intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro.
Registramos a nossa preocupação com as consequências práticas dessa iniciativa do ilegítimo governo Temer. E denunciamos os riscos da repetição de crimes verificados durante os trágicos 21 anos da ditadura civil militar no Brasil.
Desde o golpe parlamentar-jurídico-midiático que retirou Dilma Rousseff da presidência da República, em 2016, a situação do país mais vem se agravando em todos os aspectos. O aprofundamento do neoliberalismo, como exigência de Washington e do capital financeiro interno e externo, passou a apresentar um resultado pior que o conhecido durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Está aí o exemplo do crescente aumento do desemprego (14,2 milhões de desempregados), da precarização do trabalho, da pobreza, da desigualdade e da exclusão social.
Houve o recrudescimento da violência no campo, atingindo trabalhadores rurais e povos indígenas. Em Mato Grosso, por exemplo, fazendeiros promoveram um massacre, assassinando nove agricultores de um assentamento. E, no Maranhão, jagunços feriram 13 indígenas. Dois tiveram as mãos decepadas e outros foram parcialmente esquartejados, enquanto um deputado do PTN, apoiador de Temer, dizia não aceitar a permanência deles naquela terra. Em Brasília, com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, um forte esquema militar reprimiu o protesto de quatro mil índios de 200 etnias diferentes.
Para enganar maiores parcelas da população, levando os paneleiros e falsos patriotas para a rua, usou-se o repetido discurso do combate à corrupção. Mas, assumindo o governo, Michel Temer convocou para os gabinetes e corredores palacianos alguns dos políticos mais corruptos do país. Se todos não estão hoje na cadeia, eles são facilmente identificados pelo povo, porque foram vistos na televisão carregando mala de dinheiro ou apresentados como principais responsáveis pelas malas e sacolas escondidas em apartamento de luxo.
Por tudo isso, a situação pode ser mais grave do que se imagina. Desde as primeiras iniciativas com vistas ao impeachment de Dilma Rousseff, as articulações dos golpistas consideravam a participação direta dos militares nesse processo, levando-se em conta as experiências das Forças Armadas. O general Sérgio Etchegoyen, chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro, teve e está tendo papel de grande relevância nos encaminhamentos relacionados à inteligência e à área considerada de segurança.
Sérgio Etchegoyen é filho de Leo Guedes Etchegoyen, um dos mais duros torturadores durante a ditadura militar. Ele perseguiu, prendeu e torturou sindicalistas e membros de movimentos de direitos humanos. A intervenção federal no Rio de Janeiro e a criação do novo Ministério da Segurança Pública contaram com a colaboração de Sérgio Etchegoyen, que organiza a ampliação da presença dos militares no governo, monitora as mobilizações populares e busca alternativas para endurecimento do regime.
As ações das Forças Armadas e do general Braga Neto, que comanda a intervenção, já revelaram o nível da atuação militar nas comunidades do Rio de Janeiro. Por isso, buscam providências, alertados pelo general Eduardo Villas Boas, que possam afastar a possibilidade da criação de futura Comissão da Verdade. A Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro se manifesta contra a intervenção militar. E esclarece: “Precisamos de uma intervenção que nos traga a vida e não a morte. O Exército é treinado para matar e atuar em tempos de guerra. As favelas nunca declararam guerra a ninguém”.
Finalmente, dirigimos um apelo a todas as entidades sindicais, populares, democráticas e religiosas. A todos os movimentos e personalidades que defendem os direitos humanos. Que nos unamos na luta em defesa da democracia e de um país verdadeiramente livre, soberano. É preciso corrigir a aplicação da Lei da Anistia, para que a impunidade dos crimes contra a humanidade cometida pelos agentes do estado de 1964 não sirvam de exemplo e estímulo na intervenção militar do Rio de Janeiro de 2018. Vamos exigir a punição dos algozes que, durante a ditadura civil militar, cometeram crimes contra a humanidade. E exigimos o cumprimento das 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade.
Não aceitamos a intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro, nem outra intervenção militar em qualquer instância da vida democrática nacional.
Goiânia, 27 de fevereiro 2018
Rede Brasil, Verdade, Memória e Justiça
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
Comissão de Justiça e Paz no Brasil
Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno
Fórum Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo
GTNM-BA – Grupo Tortura Nunca Mais – Bahia
Fórum dos Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu – CDHMPFI
Comitê pela Memória, Verdade e Justiça de Teresina – Piauí
Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas de Goiás
Comitê Popular de Santos por Verdade, memória e Justiça
Juristas pela Democracia – Goiás
Intercâmbio de Informações Estudos e Pesquisas – IIEP
Frei José Fernandes Alves – OP – provincial da Província Dominicana Frei Bartolomeu de Las Casas
Pedro Wilson Guimarães – ex-presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados;
Norton Nohama – membro da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Paraná;
Ivete Caribé da Rocha – Advogada (OAB-PR 35.359)
Pinheiro Salles – presidente da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás e vice-presidente da Comissão Nacional de Ética dos jornalistas (Fenaj);
Laurenice (Nonô) Noleto Alves – jornalista e escritora, viúva de ex-preso político e secretária da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas de Goiás.